A Sorte lançada

Se no meio da conversa alguém diz “sorte”, logo eu lembro do Pedro. Não conheço outro ser vivo com mais propriedade nesse ramo. Quando ganhou o título de mais sortudo do mundo, ele tinha a sorte de morar quase no centro da cidade que foi várias vezes escolhida como o melhor lugar do mundo para se viver. Tinha a sorte de poder ir a pé ou de bicicleta para o trabalho. Levar o filho para a escola, idem; no frio ou no calor, debaixo de neve ou de sol, pai e filho sempre de boa. Você precisa ver a maravilha que é pedalar em Viena. Ter carro por lá é uma quase-bobagem, mas Pedro sempre teve. Quando se tem uma família minimamente espaçosa, é importante ter. Quando ele ganhou o título, seu carro era o fornecido pela empresa. Era pra ele viajar a trabalho. Agora, pensa só: a Áustria fica bem no meio da Europa e faz fronteira com oito países. Em poucas horas, você está em diferentes culturas e idiomas. Levando-se em conta que viajar pelas estradas aveludadas do velho mundo é tipo andar de bicicleta em Viena, poder trabalhar viajando é uma baita sorte. De novo esbarramos em um conceito que é parte do Pedro em suas crônicas: “viagem”. De um jeito ou de outro, “viajar” se faz presente em quase toda sorte de aventura que Pedro se meteu na vida. Antes de construir uma família que é quase um comercial de margarina; antes de morar na natureza, quase como em um comercial da secretaria de turismo da Áustria; antes de receber o título de homem mais sortudo do mundo; Pedro viveu histórias que só poderiam ser contadas por alguém que parece ter vindo à vida para construir crônicas sobre a própria vida. Eu, que tive a sorte de criar o título e conceder a ele, agora pleiteio o título por ter conhecido suas histórias em primeira mão, com nossas bocas e ouvidos lubrificados por cervejas artesanais austríacas. De certa forma, você também tem sorte por ter acesso a essas histórias por meio da leitura desse livro. Mas atenção: não se trata de uma autobiografia. Isso é uma autossorte. – Da apresentação de Gil Kelmer.